“Onde encontro um ser
mortal, encontro Vontade de Poder.”
Frase atribuída ao filósofo F. Nietzsche
No próximo dia 28 de agosto, comemoraremos o Dia Nacional do
Voluntariado, instituído, no Brasil, em 1985. Na Organização Internacional Nova
Acrópole, voluntariado é o nosso dia a dia; no meu caso, já há 26 anos.
Portanto, creio que poderia dizer algo sobre este dia e sobre essa virtude
humana.
Não escapa à atenção de ninguém o fato de que o voluntariado tem
sido abraçado por uma cada vez maior quantidade de seres humanos e instituições,
e de que isso é uma esperança. Mas, como tudo que é humano pode ser sempre
aperfeiçoado, acrescento algumas observações minhas a respeito do assunto.
Já encontrei vários tipos de voluntários; alguns o faziam por se
acharem em falta com os homens ou com Deus, e por quererem “saldar” este débito
por erros passados. Esse é um voluntariado que tem data para terminar (quando
resgatada a última “prestação” dos enganos que se pensa ter cometido), e não
deixa de ter uma mácula de egoísmo. Você me dirá, talvez: “Melhor assim do que
não fazer nada!” Eu concordo; mas acho que essa ação poderia se aperfeiçoar ao
longo do tempo, e harmonizar fins e meios; afinal, a busca da coerência e da
harmonia também é virtude.
Outros há que sentem a necessidade de fazer um sacrifício em
prol do bem alheio; também acho válido, e até belo o espírito do sacrifício.
Mas esta postura sempre me faz lembrar de alguém que, um dia, após uma boa
ação, desferiu a seguinte sentença: “Eu abri mão de muitas coisas por isso!” A
expressão caiu mal, e me pareceu um lamento por perder algo de maior valor, em
termos de prazer e satisfação, por algo de menor valor, dolorido,
“sacrificado”. Ainda não é bem o espírito do voluntariado com que sonhamos.
Um dia desses, lendo Nietzsche, ouvi-o falar sobre a “vontade de
poder”, e lembrei-me de que voluntariado vem do latim “voluntas”, vontade, e pensei se essa não seria uma boa explicação
do que buscamos que seja o legítimo voluntariado. Ele diz que é inútil a moral
que busca converter o homem através de máximas insípidas, como “seja bonzinho,
seja bem comportado etc”. Todo ser humano busca, consciente ou
inconscientemente, o Poder, e isso pode ser educado e convertido em ações
morais.
Aí, chocamos com um preconceito nosso: “Mas o Poder
corrompe...”. Não creio. Situações de Poder dão oportunidade para que a
corrupção, que já estava latente neste homem em particular, se manifeste. Como
dizia Machado de Assis, está errada a máxima popular que afirma que a ocasião
faz o ladrão: “A ocasião faz o furto: o ladrão já nasce feito.” Poder é
capacidade de ser, de fazer, de realizar, de transformar. A própria etimologia
do nome poder vem do latim “potis esse”:
posse do ser. É o atributo mais divino que consigo imaginar: não ouso pensar em
um Deus débil... Quem nega o poder, faz culto, inconscientemente, à debilidade.
Quando olhamos para o passado, longínquo ou recente, e vemos a
grandeza, a pureza e a bondade que certos homens foram capazes de manifestar,
não podemos nos furtar à conclusão de que esse potencial humano também existe, adormecido, em nós. Não é à toa que o filósofo
Platão dizia que todo homem deveria se inspirar em heróis, pois eles relembram
quão grandes nós podemos chegar a ser.
Enamorar-se dessa nobreza latente que a nossa natureza presume e
querer profundamente vive-la, trazê-la à tona, é Vontade de Poder. Continuava
Nietzsche: “Há que substituir os códigos de moral por códigos de nobreza...”.
Eu não chegaria a este exagero (tão tipicamente “nitzscheano”) de abolir
códigos de moral, pelo menos não tão cedo, mas chego realmente a duvidar de que
alguém ousaria dizer: “Eu sacrifiquei muita coisa para ser humano, para ser
nobre...” O que você sacrificou, meu caro? O que havia de melhor, na sua vida,
do que isso? E, se aquilo que foi “sacrificado” era inferior ao que ganhou, por
que o lamento? Não seria mais lógico dizer: ”Eu sacrifiquei muito voluntariado
por banalidades momentaneamente prazerosas, mas sem maior valor”?
Eu me chamo Lúcia Helena Galvão Maya, voluntária da Organização
Internacional Nova Acrópole há 29 anos, trabalhando quase todos os dias por
aquilo que acredito. O meu não é um voluntariado “perfeito”, pois eu mesma estou
muito longe disso: faço apenas o melhor que posso. Mas, como filósofa, não abro
mão do direito de sonhar com um voluntariado que seja glória e êxtase pela
condição humana que me cabe, momento de felicidade e de realização não
permutável por nada neste mundo. Isso me torna um ser em construção, enamorada
da vida humana e dos seus sonhos mais dignos, entre os quais está o de servir
ao Bem, e servir voluntariamente. Parabéns, Voluntários, pelo seu dia!
Um texto sensível que merece reflexão! parabéns!
ResponderExcluirAcredito de verdade na mensagem expressa nesse seu texto forte e delicado. Sim, a natureza do homem é se doar, doar aquilo que que em seu coração transborda, e que em outro talvez, careça. O seu trabalho enobrece ainda mais a causa, porque o feito em si não é enobrece por si só, mas por aquilo que o motiva, e que vibrará,se propagará e será absorvido pelo mundo o qual ele toca.
ResponderExcluirParabéns por seu trabalho que além de me tocar, me impulsiona! Gratidão!
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ResponderExcluirBela oportunidade de reflexão! O voluntariado preenche a vida de quem precisa, mas creio que preencha mais o voluntário. E como dizer sem nenhuma palavra: "melhor coisa é dar do que receber". Gratidão!
ResponderExcluirComo são as coisas...Estive procurando pelo tema "voluntariado" no finzinho do ano que passou (2019)... E, hoje, 16/01/2020, no inexistente modo "por acaso", cheguei a este texto sensato e emotivo, cuja leitura me fez chorar. Isso porque a reflexão sobre o assunto me levou a enxergar uma verdade, revelada tão sem meio-termo e ao mesmo tempo de forma tão honesta, que chegou a abraçar a minha consciência (trocando em miúdos, foi um daqueles chacoalhões do bem!).
ResponderExcluirAprendi mais uma lição aqui: que eu saiba "zerar" em mim a tal sensação há pouco insistente de que eu ando precisando "retribuir um pouco" por todo o bem que já recebi e busque, de fato, uma causa para a qual eu me empenhe em realizar esse verdadeiro voluntariado "não permutável por nada neste mundo".
Obrigada por compartilhar.✨