Entropia,
“ato de virar-se para”, de EN, “em”, mais TROPEIA, “ato de virar, de dar
a volta” é um conceito da termodinâmica que acabou por ser estendido a vários
campos, de uma forma um tanto imprópria, descrevendo uma tendência à desordem
nos sistemas à medida que se deslocam no tempo.
Hoje de
manhã, ao observar meu jardim, sabe-se lá “por que cargas d’água”, como diria minha
avó, eu me lembrava deste conceito. Olhava plantas, animais e a mesa posta para
o café, uma cena doméstica prosaica e bela, e tentava me transferir no tempo,
através da imaginação, para daqui a 20 anos. Na filosofia oriental, a chamada
“teoria do impacto” ensina que a consciência se dá por contraste; um exemplo
disso é que só avaliamos o valor das coisas, de forma mais justa e completa, em
geral, quando as perdemos. Mas podemos
antecipar este “contraste” através da imaginação... e era o que eu tentava
fazer.
Sem
amarguras, mas numa avaliação realista, daqui há 20 anos, provavelmente nada
mais haverá destas plantas em
particular, nada destes animais; não vivem tanto assim. Dos filhos tomando o
café junto conosco, também não. É natural que tomem seu próprio caminho, e é
bom que o façam. Os nossos companheiros? Bem, em algum momento, algum dos dois
terá de ir, deixando o outro a sós; também isso, embora doloroso, é muito
natural. Além disso, nossas capacidades físicas certamente estarão mais
limitadas que hoje. Nada fora da lógica da vida, nenhuma catástrofe; porém, do
ponto de vista da personalidade, do ser físico que observa este painel... é
arrasador! Só perdas à vista! Um sistema altamente “entrópico”, na acepção mais
popular desta palavra.
Bem, vocês
poderiam me dizer que isso é apenas o ponto de vista do “eu físico”; concordo
plenamente, mas eu poderia devolver a pergunta com uma boa dose de crueldade:
quando é que a nossa consciência olha para a vida a partir de outro “eu” mais
elevado que o físico? Quando e quanto já fizemos isso? Isso é muito comum,
muito frequente? Quantas vezes você o fez no dia de hoje?
Percebo que,
quando a viagem, ao invés de se dirigir para fora, dirige-se para dentro, ainda
que apenas para o plano psíquico, o panorama já muda bastante: há uma espécie
de “entropia ao revés”. Aos meus 20 anos
de idade (que já não vão tão próximos), eu não era exatamente um primor de
equilíbrio emocional, nem tampouco o sou hoje, mas certamente, neste momento,
minha vida emocional tem mais ordem que antes. Minha consciência e controle sobre
minhas formas mentais também avançaram um pouco. Ou seja, sempre considerando a
meta como distante, posso dizer que meu mundo psíquico é mais ordenado agora,
sem dúvidas, do que na juventude. Porém, ainda há algo mais além da psique; podemos
intuir a existência de um centro, um “eu” ainda mais profundo, como se fosse um
observador silencioso da vida que passa ante seus olhos, e este observador,
parece que não se torna mais nem menos ordenado com o tempo: é sempre o mesmo.
Não há dimensão temporal e, portanto, não há entropias possíveis no mundo
daquilo que sempre é, ou seja, no mundo da nossa identidade mais profunda. Portanto, há mundos e mundos, cada um com suas
leis próprias.
Penso que
tomar posse de todos os mundos em que nos cabe viver deve gerar relações
maravilhosas que nos fazem ganhar sempre. Se posso ir para dentro de mim mesma e
suplantar o tempo, também posso mergulhar em cada detalhe desta paisagem
familiar matinal, e todos estas coisas se mostram como símbolos de algo
duradouro que há por trás delas. Posso
atesourar a essência permanente, o “coração” do momento presente, se possuo
alguma relação com meu próprio “coração”, meu próprio centro permanente. Por
uma relação de paralelismo, percebemos que quem é superficial em relação a si
próprio, deve sê-lo também em relação a tudo, e o contrário é igualmente
verdadeiro.
Não consigo
imaginar um homem sereno e feliz, tendo que conviver com a entropia como único
destino, de forma inexorável: a cada dia, mais um passo em direção à perda, em
direção ao abismo... E de que vale, então, cada novo dia? Como encontrar alguma
dose de felicidade assim?
Heráclito,
Filósofo pré-socrático, possuía uma enigmática frase: “Os que velam possuem um
mundo em comum, mas os que dormem voltam aos seus mundos particulares”. Talvez
este velar, este “estar desperto”, seja próprio destes homens que mergulham em
si mesmos e se encontram, e, ao fazê-lo, podem encontrar-se uns aos outros, e
só assim podem construir verdadeiros laços. Superficialidade é sempre uma forma
amarga de solidão.
Segundo este
ponto de vista, o futuro se modifica significativamente: não estaremos sós, nem
perderemos nada. Neste ponto final, ideal luminoso onde tudo se sintetiza,
estaremos mais plenos que nunca, mais capacitados que nunca, mais acompanhados
que nunca. Esta meta, por si só, ainda que distante, enche o momento presente
de esperança, de confiança... De felicidade.
Ler esse texto foi uma experiência incrível para mim. Agradeço a prof. Lucia Helena por portar e compartilhar tanta sabedoria, me ajudou bastante.
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