Conheci, por estes
dias, a pequena animação de Aidan Gibbons intitulada “O Piano”, muito bonita e
digna de se ver, conforme as incontáveis curtidas
e compartilhamentos via internet comprovam.
Porém, o que
me chamou a atenção nesta animação, que coincide com o que já vinha pensando
nos últimos tempos, foi a necessidade de criarmos um novo significado para a chamada “síndrome de Peter Pan”, maneira como
alguns psicoterapeutas pelo mundo afora intitulam o comportamento daqueles
imaturos contumazes que se negam a crescer. Acho que há um fenômeno menos
patológico e mais belo que atinge pessoas maduras que mereceria receber um nome
parecido; não síndrome, mas talvez “ciclo de Peter Pan”, fase esta em que
necessitamos mais que urgentemente encontrar uma “terra do nunca”, um lugar
além do tempo que redima a vida da arbitrariedade e que dê uma ordem e um
sentido a toda a experiência que o tempo nos deu e, depois, tentou tomar de
nós. Esse “fio condutor”, chamado pelos hindus de “sutratma”, é muito bem representado, no vídeo, pela belíssima
música ao piano, que conduz a breve
narrativa sem palavras até a junção das duas pontas da vida, como uma síntese
circular, ao final.
É como se nós,
os que estamos no “ciclo de Peter Pan”, estivéssemos tentando não perder nossa
sombra-memória no mundo e pedindo ajuda a uma Wendy-consciência para costurar
esta sombra a nós, de maneira que não rompa mais. Esse Peter Pan, espiritual e
atemporal, unido a uma consciência que cresceu ao longo da vida, Wendy, e que,
agora, nos ajuda a entender e resgatar nossa sombra.
Sem saber
tocar piano como acompanhamento (o que seria de uma ajuda fantástica!), eu tenho,
em minhas reflexões, andado também pela terra do nunca; às vezes, no meio da
rua, no meio do trânsito, eu me vejo simultaneamente no tempo e fora dele. O
rosto das pessoas, suas expressões, seus sons, os sons do mundo, tudo toma um
sentido, como uma sinfonia. Tudo me soa como um grande apelo, uma espécie de lamento
de solidão, uma imensa saudade de si mesmos, uma imensa sede de sentido. Todas
as buscas, todas as direções, como a busca inconsciente de uma mesma direção:
identidade, pertencimento, sentido.
Lembro de um
momento da minha infância, brincando com os tijolinhos do “jogo do construtor”,
com o qual fazia casinhas; fui perdendo as peças do jogo, com o tempo, e tendo
que fazer construções cada vez mais simples, com os tijolos que ainda estavam
disponíveis. É como se hoje me restasse apenas um tijolinho, e nele, tivesse
que concentrar a experiência de todas as formas que ergui e desmontei.
O que há em
comum entre as receitas guardadas da avó, os desenhos dos filhos, a corrida nas
ruas debaixo de chuva ao lado de quem se ama, as mãos bem apertadas, os abraços
bem dados, as lágrimas, os medos, as ousadias? E os sonhos que fizeram voar,
que nem pó de pirlimpimpim? E as dúvidas
e egoísmos “piratas” que invadiram nossos territórios mais sagrados e nos
imobilizaram com seus ”ganchos”? Chega um momento em que tudo de que lembramos
em nossa vida faz tanto sentido quanto se fossem os passos de uma coreografia:
para frente, para trás, girar de novo... nada poderia faltar. Na verdade, todos
estes movimentos buscavam o centro do salão, o centro da circunferência da
vida, o centro de nós mesmos... o sentido.
Dizem que
Einstein teria falado, alguma vez: “Eu queria entender os pensamentos de
Deus...” Sim, se ele disse isso de fato, com certeza Einstein também vivia o
ciclo de Peter Pan. Eu, que estou longe de ser tão boa pensadora, queria entender
pelo menos os movimentos de Deus, ou melhor, a sombra deles na minha vida. Queria
acertar o passo, enfim, para chamá-lo ao palco e bailar com Ele. Percebo agora
que tudo que fiz e deixei de fazer foi, no fundo, apenas e nada mais do que uma
tentativa de acertar este passo. “- Danço melhor agora? Piso menos no Seu pé ?”
Eu perguntaria. E Ele e eu riríamos, dando voltas pelo salão, porque, afinal de
contas, isso não tem tanta importância. O que vai valer de fato, eu penso, o
que vai realmente ter importância e definir a vida vai ser o quanto essa
Wendy-consciência tenha crescido, para que possa se aproximar de fininho, com
linha, agulha e dedal, e cumprir a grande missão: costurar de novo esse grande
Peter Pan à sua pequena sombra, que sou eu.
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