Em um
deste dias, no meio de uma batalha épica contra formas mentais circulares,
quase capitulando diante de um inimigo que ganhava trincheira a trincheira, eu
procurava uma ideia poderosa o suficiente para me socorrer e inverter aquele
placar ingrato. Após várias tentativas frustradas (o adversário não estava para
brincadeiras), me veio a ideia redentora: por que não pensar... em Deus? Se há
uma forma mental com poder de fogo contra artilharia pesada, deve ser esta, com
certeza...
Porém,
as ideias muito boas costumam ser de difícil implementação: o que significa
exatamente “pensar em Deus”? As
imagens correram pela minha memória, sem muito sucesso: símbolos religiosos,
livros sagrados, orações e até imagens de nascer e pôr do sol.... sim, talvez
estas coisas o representem ou evoquem, em alguma medida e em algum momento,
para alguém. Mas não são propriamente Ele; não o explicitam ou mostram de forma
tão direta e, portanto, careciam, para mim, da força que eu necessitava naquele
instante.
Rastreando
minha memória, dei com uma muito famosa frase da filósofa Helena Blavatsky, que
dizia mais ou menos seguinte: “Um único homem prova a existência de Deus, assim
como uma única gota d’água prova a existência do Oceano.” Frase bela e muitas
vezes repetida, com toda “pompa e circunstância”... mas tão pouco entendida!
Quantas caixas de joias deste tipo, vedadas, jamais abertas, devemos guardar
dentro de nós?
Curiosamente,
havia gotas de água perto de mim, vindas de um esguicho de jardim que as havia
lançado mais longe que o desejado; eram turvas, barrentas, e já formavam lama
em alguma parte do caminho; definitivamente, não pareciam nada com oceano
nenhum. Mas, de repente, uma voz interna retrucou, de forma bem enfática e
convincente: “Não parece porque tem muito mais do que simplesmente água aí
dentro; com tanta sujeira misturada, ela não é uma gota de água de verdade; se
tirar tudo que não é gota, parece sim!”.
Que
fulminante, aquilo: simplesmente fulminante. Um processo prodigioso começou a
ocorrer dentro de mim: na mente, no coração, no corpo, sistêmico, portanto.
Lembrei de quantas vezes tinha tentado entender esta frase, olhando para os
homens e procurando por Deus, através deles, e não via nada de parecido,
nada...se tirar tudo o que não é humano.. parece sim!
Numa
velocidade impossível de precisar, mas que senti como quase instantânea, minha
memória começou a puxar uma torrente de recordações, percorrendo minha vida de
cima para baixo, como uma criança que, no Natal, procura os presentes
escondidos pela casa. De repente, borbotões de visões de Deus amontoadas diante
de mim, ou seja, momentos de pureza humana: desde o artesão simples que não
aceitava quase nada por seu trabalho e que dizia que seu pagamento era minha
alegria, até a criança que me presenteou, um dia, com uma caixinha de fósforo
onde havia prendido um raio de sol (o mais bonito!) Desde o amigo que me surgiu
com um telefonema “do nada” no momento de maior dificuldade, até a amiga que
sempre aparecia a tempo de recolher a primeira lágrima que corria, sem
necessitar de chamados ou apelos. Desde
o jovem quase desconhecido que acompanhou e velou por cada minuto de um momento
doloroso, tornando a dor também sua, até a pré-adolescente que catou as
moedinhas de sua pequena mesada para ajudar no enxoval de uma mulher gravida
solitária e sem recursos, e embalou para presente parte do seu coração junto
com aquelas coisinhas compradas... tantas e tantas coisas assim! Um exército
poderoso e arrasador de memórias de Deus, diante do qual as sombras
retrocederam imediatamente... uma espécie de pequena teofania, na medida das
minhas possibilidades; simples, mas regada por algumas das mais belas lágrimas
que já derramei na minha vida. Tão difícil reduzir a palavras este
acontecimento!
Ajudar
o homem a ser puro, a ser realmente e apenas humano, começando por nós mesmos,
com certeza é abrir portas para que Deus seja cada vez mais visível no mundo;
que simples e belo!
Terminei
uma batalha bem travada com uma certeza, aguda e profunda, como que cravada na
minha alma: se algumas das coisas que fiz na vida, uma ou duas que sejam,
servirem de inspiração para que alguém, algum dia, também viva seu momento de
pequena “teofania”, terá valido a
pena... para que mais? Porém, em meio a tanta banalidade e batalhas perdidas,
diante de tantos recursos mal utilizados e desperdício de vida, talvez a
pergunta a fazer a nós mesmos não seja essa. Diante de um objetivo tão absolutamente
justo e humano, digno e inspirador... por que menos?
Linda crônica! Agora a frase faz muito mais sentido em mim. Grata!
ResponderExcluirMemórias de Deus
ResponderExcluir.pura teofania...gratidão plena querida Xará que me ajudava transmutar energias sutis que me levam à Unidade...
Corrigindo
Excluir..que me ajuda
Belíssimo!
ResponderExcluirNos pequenos gestos, em pequenas recordações, alí está Deus e, na hora certa a ajuda vem, como agora lendo essa pérola divina.
ResponderExcluirTravo uma batalha interior há tempos, muitíssimo grata, um abraço com muito amor.
Seu relato é o testemunho vivente de uma alma em pleno desenvolvimento espiritual, uma conexão entre o Outro em ti e sua consciência pessoal, à semelhança dos diálogos entre Tat, Hermes e o Nous!
ResponderExcluirVocê consegue sempre tocar em um lugar dentro de mim do qual gosto bastante, um lugar escondidinho porque nem sempre encontra espaço pra se mostrar, mas que sempre é, nem que seja em segredo. Um abraço, Lúcia! Gratidão, muitas vezes, gratidão!
ResponderExcluirComo ouvi vc dizendo em um de seus vídeos da Nova Acrópole, cada gesto de beleza de justiça, é uma célula de Deus... Obrigado, vc tem e inspirado muito.
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