Não preciso
dizer que elas tinham dois tons de cor-de-rosa, pois as fotos provam isso, e
mostram que efeito suave e lindo este “ton-sur-ton”
provocava. Eram oito, de início, e seis delas sobreviveram por fantásticos dez
dias, recebendo todo cuidado e carinho que eu pude e soube dar.
Elas me
retribuíram com, além de sua beleza, dois momentos especiais. Um dia, ao
acordar, encontrei uma delas, ainda uma jovem rosa, quase um botão, totalmente
despetalada. Depois de suspeitar do gato e ele me apresentar seu álibi (a porta
dormira fechada), vi que havia restado uma pétala escura, junto à base da
corola, e que essa cor escura havia atingido o “coração” da rosa. Quando peguei
as intactas pétalas que caíram sobre a mesa, vi que havia um pequeno ponto, na
sua base, que tinha aquela mesma cor, e que as fizera soltar e cair, todas de
uma vez.
Uma pequena
pétala escurecida contaminara o coração da rosa, e a fizera perder, de um dia
para o outro, toda a beleza que possuía. Ainda perdi mais uma rosa exatamente
assim, no dia seguinte. É lógico que
isso me fez passar muito tempo pensando sobre este ato necessário de
protegermos o coração das coisas e de nós mesmos contra esses ataques insidiosos
e noturnos, pequenos e obscuros, mas fatais. Lembrei de Ulisses, erguendo-se
desnudo do oceano, após ter perdido tudo o que tinha, exceto um véu, dado pela
Deusa Ino, que protegia... seu coração. Assim, pôde ser digno de ser levado
pelos Feácios à brilhante ilha de Ítaca... “Faça com que essa história viva para nós em
todos os seus múltiplos significados, ó Musa!”, dizia Homero em sua Oração, na abertura da Odisseia. Hoje, minhas
rosas, talvez como um recado das Musas, trouxeram esta oração à minha memória.
As seis
sobreviventes, por sua vez, desabrocharam, bonitas, mas não chegaram a expor
totalmente seu coração. Sempre há uma última pétala, resistente, retorcida e
teimosa, que encobre até o fim o coração da flor. É difícil que ela viva o
suficiente para vencer este obstáculo final. Esta última que mostro na foto,
heroica, quase o conseguiu. Por isso, às vezes, aflita e querendo ajudar a rosa
a chegar ao seu momento de glória, exibindo e entregando seu coração, eu
costumo extrair esta última pétala. Sei que deve ser uma operação dolorosa...
Mas, ao vê-las morrerem sem atingir este ponto, passei a achar que é uma dor
válida... Pedi às Musas ou a qualquer ser sagrado que passe por mim, que me
ajude, arrancando essa última distorcida cobertura que esconde meu coração. E
que me auxilie na compreensão da dor, percebendo, além dela, algo de Glória,
que não obteria de outra forma. Não quero deixar o mundo sem essa oferenda.
Eram só um buquê
de oito rosas; a vida delas foi fugaz, para mim. A minha também o será, perto
de tantos outros seres mais duradouros. Mas elas embelezaram minha vida e me
ensinaram coisas preciosas. Será que eu também conseguirei deixar o mundo com
essa certeza?
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