Uma das polêmicas mais acirradas que circulam hoje sobre o significado de palavras em geral gravita em torno da palavra “seita”. Proveniente do latim sequire , "seguir", normalmente trata, em uso corrente, de ideologias divergentes da oficial e com tendência ao isolamento social. Em extremo, podem se referir a grupos que cultivam excessiva devoção e obediência a um líder, de quem são “seguidores”, com uso de técnicas de persuasão opressivas ou manipuladoras.
Como mesmo estes adjetivos são todos muito cheios de matizes, ao nos prolongarmos neste assunto, cairíamos num sem-fim de etimologias e conceitos discutíveis, mas não é este o nosso objetivo. É preciso perceber o que propõem, não as “filosofias”, pois é outro escorregadio conceito, uma vez que todo conjunto de ideias, homogêneo e coerente ou não, se intitula desta maneira, mas a Filosofia, tradicional e clássica, com a proposta que a trouxe à vida, e se isso se assemelha em alguma medida às chamadas “seitas’.
Penso que podemos nos apoiar em um dos mais conhecidos pensadores da humanidade, Sócrates, em uma de suas falas igualmente conhecidas, para começo de conversa: “Só sei que nada sei”. Pode parecer um paradoxo ou uma frase de efeito, à primeira vista, mas constitui um pensamento que define muito bem um filósofo: enquanto a média das pessoas se equilibra sobre supostas certezas, o filósofo encontra segurança exatamente em suas incertezas, ou seja, em saber que seus conceitos sobre o mundo são todos provisórios, apenas o melhor que logrou obter até agora, mas possui a permanente determinação de utilizar as oportunidades de aprendizado que a vida lhe oferece para aperfeiçoar estes conceitos. Em suma, o filósofo é sempre um ser em construção e um aprendiz.
Tem certezas? Sim, está certo de que o sentido da vida humana é o aperfeiçoamento, e que há um aperfeiçoamento próprio dos seres humanos, que reside na compreensão e vivência de valores universais, tais como fraternidade, bondade, justiça etc. Para isso, vasculha o passado e observa o presente, atento e curioso, sempre buscando elementos que possam lhe servir de tema de reflexão sobre como melhor entender e viver estes valores. Ou seja, ama Platão, mas está disposto a aprender com o João da Silva, se este tem algo a lhe oferecer que forneça resposta satisfatória às suas questões sobre a difícil arte de viver como homens. Ou seja, não “segue” ninguém, mas é fiel a algo, em si mesmo, que tem sempre sede de coerência e crescimento. De Platão a João, sabe que todos os homens são duais, uma mistura de “um e outro”, de luz e sombra, e que sempre se pode aprender um pouco com sua luz e oferecer-lhe algo da nossa, como essência da arte de viver.
A Filosofia isola? Nunca. É muito mais fácil para alguém que cresce na compreensão de si mesmo e do homem em geral entender as razões e necessidades que movem aquele parente excessivamente aficionado por uma linha religiosa ou o amigo ligado de forma muito entusiástica a uma visão política em especial, do que alguém que não o faz. O fenômeno humano, com suas buscas e angústias, conscientes ou não, interessa-lhe, e sempre busca formas de entender onde se localiza cada homem, quais as necessidades que o levaram até aí, e como ajudá-lo a partir do que é e de onde está, subir mais um degrau rumo à realização humana.
Questionador? Sempre, mas não pelo prazer de contestar, e sim pelo amor à investigação e compreensão da vida. Como uma criança, a observação a fundo de cada detalhe e momento, banal para outros, o deslumbra. Ama a figura de um Da Vinci que se debruça sobre uma simples planta, copiando, meticuloso, o intrincado desenho das nervuras de suas folhas. Nunca responde a circunstâncias semelhantes de maneira igual: uma mesma pergunta feita em dois tempos apresenta o matiz da transformação de quem fala, de quem ouve, do tempo. Sempre diferencia, examina e se detém no aprendizado que cada peculiaridade da vida lhe traz; ama dialogar com a vida... cada nova ´possibilidade descoberta lhe traz mais liberdade: um mundo mais amplo por onde transitar e investigar; por isso, não teme o novo, nunca rejeita nada “a priori”, nem julga o que não conhece.
Absolutamente fiéis e obedientes àquilo que percebem como valores universais, humanos, nobre e justos, são os filósofos os homens mais livres que há: não carregam o peso de presunções nem de preconceitos: estão sempre leves e puros ante a vida. Não temem o conhecimento, pois sabem que este lhes dá sempre mais espaço vital; dispostos a se reconstruírem e a crescerem, não carregam nem sequer o peso de uma identidade rígida e “concretada” pela inércia do que foram até aqui. Não temem pensar como todos nem diferente de todos; não temem pensar, enfim.
Não buscam recompensas senão a de serem cada vez mais humanos, nem temem castigos que não a ignorância e o estatismo. Difícil manipulá-los, pois nada que querem ou temem está fora de si próprios. Amantes da natureza humana,são dos que mais a compreendem, e com ela se comprometem. Por onde passaram os maiores dentre eles, na História, varreram a barbárie e a ignorância com uma chamada poderosa em prol da fraternidade, do ecletismo e do autoconhecimento.
Seja lá o que for que se denomine como seita, há que saber que nada há tão antípoda a este conceito quanto a Filosofia, esta saudável e luminosa arte ou ciência, que sempre trabalhou para desenvolver o senso e o discernimento humanos.
Suas palavras são pérolas jogadas ao mar bravio de ondas revoltas mas onde sempre existirão pescadores errantes a fisgar essas pequeninas luzes chamadoras e desveladoras da consciência interior. Virei seu fã
ResponderExcluirLindas palavras!
ExcluirÉ tão gostoso quando um texto traduz o que você pensa... Grata! :)
ResponderExcluirO seu nome e jus ao da LUZ... gracias
ResponderExcluirE sempre impecável a forma como expressa as ideias, com muita luz e sabedoria muito obrigado por nos proporcionar estes maravilhosos momentos de reflexões.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirExcelente explicação e reflexão sobre o tema. Seitas me lembram a ideia da heresia da separatividade, na prática; me parece que a identidade se dilui e se funde na seita, numa espécie de "ego coletivo" apenas como forma de proteção mesmo, diante da ausência de sentido maior... de si mesmo.
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