Vivemos em um mundo onde o
egoísmo é tão fortemente entranhado em nossa mentalidade, através de todos os
reforços oferecidos pelos produtos culturais que consumimos diariamente, que,
se sentimos algum tipo de desconforto, deduzimos imediatamente que algo nos
falta: temos fome. O que consumir, em que plano? E lá vamos ao menu da vida,
ávidos. O curioso é que, num mundo tão “high-tech”,
saibamos tão pouco sobre o funcionamento e as necessidades desse processo
chamado “natureza humana”.
Há algo que pode te parecer inédito e
estranho, mas é indiscutivelmente verdadeiro, comprovado pelos mais belos
episódios da história do homem: a natureza humana tem sede e fome de doar-se,
de fraternidade, de generosidade. Essa dor e angústia estranha que nos atinge
subitamente, em alguns momentos, pode não ser carência de nada, mas
generosidade represada, necessidade de maior entrega dos dons da vida,
acumulados em nós, ao seu verdadeiro dono: a própria Vida, representada pela
humanidade e pela natureza como um todo. E nem sempre isso consiste apenas em
sair e distribuir coisas concretas, ainda que isso tenha seu mérito, mas algo
mais sutil e complexo ainda...
Imagine o
seguinte: um local onde existe uma infiltração no telhado, uma goteira e,
consequentemente, uma poça no chão. De acordo com o comportamento humano diante
desse fato tão simples e até banal, podemos chegar a reconhecer três perfis
humanos bem delineados. O primeiro é aquele que passa, pisoteia tudo e ignora o
problema; se chegar a percebê-lo, simplesmente murmura para si mesmo que aquilo
não é problema dele; há quem seja pago para isso. É um tipo de alienação que
envolve muito mais pessoas do que possamos imaginar, lamentavelmente.
O segundo é
aquele que, bem intencionado, ao ver aquela sujeira, imediatamente, corre atrás
de pano, rodo e detergente e limpa tudo; mas a goteira prossegue, os alienados
passam e a sujeira volta... e ele limpa e limpa, indefinidamente. Um dia, já
não poderá fazê-lo... e o problema voltará. Trata-se de uma ação bem
intencionada, sem dúvida, mas pouco eficaz.
Mas há um
terceiro grupo que, ao passar por ali, pensará diferente; mais do que limpar
apenas o chão, procurará saber de onde vem aquele problema. Ao olhar para cima,
encontrará a goteira. Então, fará o que tem de ser feito: trocada a telha,
consertada a infiltração, já não há goteira e, consequentemente, não há poça ou
lama. O chão pode ser limpo pela última vez: ação bem intencionada e eficaz.
O exemplo,
claro, é simbólico, assim como o ato de olhar para cima e encontrar a goteira:
“olhar para cima”, para nossa mente e emoções, nossos valores ou a ausência
deles, significa ver e procurar corrigir a fonte do problema. Só os ingênuos
acreditam que a causa da miséria física está no plano físico: ela sempre esteve
e estará na miséria psicológica, moral e espiritual do homem. A causa da fome,
será falta de alimentos.. ou de honestidade? A miséria, será por falta de bens materiais,
ou de fraternidade? Há que olhar para cima para ter uma ação não apenas
paliativa, mas eficaz, e olhar para cima é olhar para dentro de nós mesmos, com
intenção de aperfeiçoamento, para ter o que ensinar, para ter a condição moral
de ser um fator de mudança. Difícil, sutil
e complexa, a generosidade... como tudo que é belo. Como é sutil e
complexo o “Réquiem” de Mozart e a “Criação de Adão”, de Michelângelo... Tudo
que é belo e eficaz exige muito do homem! E a generosidade é uma mestra severa,
tâo exigente quanto bela, tão essencial , para alimentar a nossa alma, como
tudo aquilo que alimenta nosso corpo. Algo morre em nós, se a ignoramos.
Nesses
momentos de sede e fome de alma, lembre do que sempre disseram os filósofos do
passado, esses eternos buscadores da sabedoria, do saber viver de forma humana:
a melhor coisa que podemos fazer pelos que amamos é crescer, humanamente falando. É o maior ato
de generosidade, e nossa alma se alimenta dele. Permita-se experimentar do
sabor incomparável dessa virtude humana, a generosidade... e veja se algo mais,
além dela, saciará tão completamente a sua fome.
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