À parte de crenças e ideologias, há algo que é unanimemente reconhecido e patenteado pelos ditos populares: chegamos a este mundo sozinhos, e também partiremos dele da mesma forma. Se há um lugar de onde viemos e para onde vamos, o que, reitero, não vou discutir aqui, não podemos saber ao certo se esta solitária situação se perpetua, mas é uma possibilidade.
O fato é que aqui chegamos, nesse mundo de coisas transitórias e de discutível realidade, e há algo inegavelmente real: o outro. Por trás de uma vestimenta corpórea mutável, estes seres à nossa volta existem de fato, e possuem, dentro de si, o mesmo mundo de possibilidades que há em nós: sonhos, expectativas, vislumbres de ideias ousadas e de sentimentos grandiosos. São universos, como nós; são reais. Apesar disso, ao chegarmos a este mundo, encapsulados e isolados, não realizamos plenamente a nossa ânsia de ir ao outro, de senti-lo, de considerá-lo. É como se construíssemos uma nova cápsula e nos trancássemos nela, por comodismo, por vício, por medo...sabe-se lá por quantas outras razões. Ainda quando existe o outro no nosso mundo... será mesmo o outro, ou uma projeção que criamos de nossas necessidades de atenção, de vitimização, de culpados por nossas debilidades, de observadores de nossas conquistas... será mesmo o outro, ou apenas... o nosso espelho?
Acho saudável a curiosidade de querer limpar-se de qualquer carência ou expectativa, presunção ou ansiedade e querer de fato mergulhar, de olhos e alma limpos, nesse mistério que é o outro. Talvez este seja o único, o glorioso momento em nossas existências em que não estejamos sozinhos! O outro, por trás de nossas alienações e projeções, é um ser real, um universo, um mistério a ser desvendado.
Estes dias, lia sobre a nova hipótese científica de universos existentes em paralelo ou multiversos, e a imaginação do pesquisador sonhava com, se a hipótese fosse confirmada, o momento em que estes universos pudessem se perceber mutuamente e, quem sabe, estabelecerem algum tipo de comunicação.. que ousado sonho! Quanto tempo e trabalho será necessário para que algo assim seja plausível!
Como esse hábito que os filósofos têm de encontrar relações simbólicas entre tudo que é possível relacionar, não pude deixar de pensar no tempo e trabalho que a natureza deve ter empregado para que nós, universos conscientes uns dos outros, pudéssemos nos comunicar, e... e agora?
Imagino que talvez devêssemos, esporadicamente, brincar de imaginar que não há mundo ou mundos melhores do que este, onde há seres reais à nossa volta; imaginar que talvez a fraternidade não seja um oneroso dever, mas uma grandiosa oportunidade, talvez única, talvez escassa. Sartre imortalizou a famosa frase: “O inferno são os outros...” Existe alguma lei que nos proíba de questionar este pretenso axioma e ousar pensar que a oportunidade, a realidade, a realização são os outros?
Que tal desgrudarmos um pouco da obsessão do eu sou, eu fiz, eu quero... tomarmos distância para ver a nós mesmos com sobriedade e lucidez, e... estabelecermos contato? Procurarmos o outro com o honesto desejo de atar laços, os mais sólidos e profundos possíveis, talvez guardando o oculto desafio de querer ver qual cápsula de solidão, deste ou de qualquer mundo, será capaz de romper este laço ? Talvez, ao mergulharmos fundo em nós, percebamos que a felicidade, a realização, a plenitude tenha a ver com União, com o encontro de parte de nós que está no outro, e talvez a vida possa se resumir a... uma oportunidade.
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