Alguém, esses
dias, referindo-se a seus pais já falecidos, dizia: “- Sinto não ter sido boa o
suficiente para eles!” Como filósofos costumam não deixar passar uma palavra
solta assim, no ar, sem que, antes que o ar a dissipe, ela lhes diga algo,
muitas coisas nasceram em mim a partir desta afirmação: em que consistiria ser
bom o suficiente? O que é o “bem suficiente”? Aliás, suficiente para quê, ou
para quem?
Platão colocava
a ideia do Bem no mais alto patamar, como atributo por excelência que inspira
todos os seres à evolução. A planta que está a minha frente, exibindo suas
sementes recém-nascidas em seus ramos, deve ser boa o suficiente para o que a
natureza espera de uma planta; faz fotossíntese, faz trocas gasosas com o meio,
sustenta a cadeia alimentar. O inseto que anda por suas folhas, lutando para
sobreviver e procriar, é bom o suficiente para um inseto. Deve haver um bem
suficiente para um ser humano, que ele possui não para atender a algo ou alguém
em particular, mas para ser digno daquilo que a natureza espera dele:
humanidade. E, se ele tem esse “bem suficiente”, creio que deve manifestá-lo em
todos os seus atos e suas relações. Senão, ele oscilaria, sendo e deixando de
ser humano ocasionalmente, o que seria, no mínimo, imprevisível e estranho. Como
eleger quais circunstâncias seriam dignas do nosso Bem? Os dignos não deveríamos
ser nós, da nossa própria condição humana, e não as circunstâncias?
Então, ser
bom o suficiente para com os pais e para com tudo o mais consistiria em ser
humano o suficiente, sempre. Imagino o universo como um Grande Lago, no qual
todos os seres enchem seus copos: o Lago do Bem. A bondade do Lago como um todo
não deve ser diferente daquela que tenho em meu copinho. Apenas me diferencio
porque possuo só um pequeno copinho. Para ter mais bondade, talvez eu
precisasse, então, aumentar este copo-consciência para caber mais água nele. Se
estou sedenta ou deixo de atender à sede de alguém à minha volta, devo saber
que meu pequeno copo já não é suficiente. Então, toda sede do mundo poderia ser
só duas coisas: angústia pelo pequeno copo que tenho, ou estímulo para o copo
maior que posso e devo construir.
Aquele
defeito que dói e amarga minha vida, ano após ano, por exemplo, nada mais é do
que a secura daquela gota a mais de Bem que ainda não pude conquistar. Não é
terra má: é terra árida, somente.
Imagino todas
as coisas belas que li e presenciei, pela vida, como minha mão traçando suaves
movimentos nas águas deste Lago e, depois, vendo as gotas caírem uma a uma das
pontas dos dedos, sem pode retê-las. Certamente, um dia, eu terei essa gota a
mais; mas sempre minha sede será maior que meu copo, e isso me levará a
expandir cada vez mais, até que nada menos do que todo o Lago seja o
suficiente. Com certeza, a água que me falta em minha garganta e que
ocasionalmente sobra em meus olhos é um chamado para Deus. Assim, ela já não me
parece triste, mas necessária.
Senhor dos
Lagos e das águas do céu e da terra, dai que a minha sede seja suficiente para
que as minhas mãos trabalhem o novo copo, enquanto meus sonhos transbordam por
suas bordas, águas de sonho, sempre maiores do que o copo que tenho, sempre
rastreando a infinitude, sem limites, sem cansaço, sem desesperança...
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