Quando
eu era pequena, em minhas festinhas de aniversários, usando chapeuzinho-cone de
papel colorido, com aqueles incômodos elásticos enrolando-se debaixo do queixo,
lembro que algumas pessoas me parabenizavam dizendo: “- Completando mais uma
primavera!”
Sei
que isso é antigo e “lugar comum”, e que não se usa mais. Porém, nestes últimos
dias, vendo que a estação se aproxima mais uma vez, parei para pensar: quantas
primaveras eu já completei, na minha vida? Já se vão umas cinco décadas em que
a natureza traz de volta a primavera, e acho que não alcancei “completar”
nenhuma, no sentido de entendê-las, de reter algo delas em mim.
O
que é este “eterno retorno”, que sempre traz de volta a primavera? Pensava
nisso quando o elevador se abriu, esta manhã, e eu disse “bom dia” às pessoas.
Na minha juventude, tinha uma resistência terrível para falar com desconhecidos
(e até mesmo com conhecidos!). Hoje, eu o fiz naturalmente, e não apenas para
cumprir com uma convenção social: com o passar dos anos, nasceu em mim uma
percepção de como é rude e irracional ignorar aquele universo que passa diante
de você, um ser humano, como se fosse nada; veio à tona a necessidade de dizer
a eles: “Eu te vejo, você existe para mim. Antes de qualquer coisa, desejo o
bem para você, hoje.” Isso deve ser parte do que o eterno retorno cultivou: quantas
portas de elevadores foram abertas à minha frente até que, um dia, eu “floresci”
para isso? Ainda que escassas estas flores,
são verdadeiras: são uma conquista.
Vejo
um monte de brotos de primaveras humanas aguardando dentro de nós: quando será
que vou passar a gastar dez segundos a mais para ter tempo de olhar nos olhos das
pessoas, agora, e não apenas cumprimentá-las, mas legitimar minhas palavras com
sentimentos? Quando vou conseguir deter a mente e olhar para a vida, pura e
simplesmente, e não para os meus próprios limites projetados na vida,
deformando-a? Quando vou olhar para as coisas não somente para ver, mas para ver
através delas, aceitando esse convite simbólico que todo espaço e todo tempo nos
oferecem, de nos levar “de volta para casa”, relembrando a origem e o sentido,
o mistério por trás de tudo isso? Para viajar na linha do tempo e lembrar de
todo o belo que já vi e vivi, e recuperar a certeza de que isso tudo ainda
existe, de alguma forma, em algum lugar, pois o verdadeiramente belo não morre?
Para fechar os sentidos e mergulhar em mim mesma, saciando minha fome de
identidade, de paz, de perpetuidade, na mais profunda e intensa das viagens?
Pois
é... Quantas primaveras se passaram, mas quantas ainda estão por vir!
Primavera,
eu te saúdo; sou parte da natureza a quem presenteias com vida, e uma parte
muito especial, pois, através da consciência desperta, dom dos homens, eu posso
te perenizar e estar contigo sempre. Quando eu te compreender e viver em maior
profundidade, não me deixarás no passar dos ciclos. Soprarás a última velinha
do bolo comigo e já não contaremos “quantas primaveras”, pois serás única, e eu
também. Como minha mestra nesta arte, superarás comigo o mistério das coisas
que vão e que vêm e penetraremos no mundo das coisas que são, e simplesmente
seremos... para sempre.
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