Meu esposo
plantou um pé de tomate-cereja no fundo da casa; nada de relevante, horta
doméstica, que quase todo o mundo que tem um pedacinho de terreno faz. Nem me
dei conta dele, a não ser quando começou a dar frutos (fazemos isso com tantas
coisas na vida, não é mesmo?)
Aí sim, por
um bom tempo, saboreei seus frutos, recolhi alguns etc. Era farto, e os
tomatinhos, muito saborosos. Mas, coisa que eu poderia morrer sem saber, os
tomateiros deste tipo têm uma vida relativamente curta; depois de muitos frutos,
que chegaram a decorá-lo por inteiro, como uma árvore de Natal (que pena, não
tenho foto disso!), um dia, ele começa a secar, e seca por inteiro: caule,
ramos, tudo. O nosso, ante nossa desavisada tristeza de horticultores amadores,
entrou subitamente nesta fase. “Agora, é esperar secar totalmente e cortar.” Não
dá para deixar de lamentar quando a Vida deixar um ser e vai-se embora de uma
hora para outra, procurar outros endereços, mas... sem dramas! Era apenas um pé
de tomates...
Dias depois,
quando abri a janela do meu quarto, que dá para o tomateiro, vi algo muito
vermelho pendente de seu esturricado corpo, prestes a ser cortado: tomates?
Corri lá para ver: três tomatinhos lindos e vermelhos pendentes de um ramo longo,
afastado do caule. Lembrava um braço e uma mão, secos e esquálidos,
oferecendo-nos, generosamente... três lindos tomatinhos! Era um último e
heroico esforço da vida, naquele ser, para que, antes que a morte prevalecesse, pudesse presentear ainda, pudesse gerar ainda
mais vida.
Não pude
deixar de ser solene ante aquele fato tão simples e belo: agradeci profundamente
pela lição de vida do Mestre Tomateiro. Aceitei com humildade sua oferta, e
contei para ele que eu não era tomateiro, mas também era um ser feito pela
natureza para dar frutos, e oferecê-los generosamente. Sabia que ele poderia,
de alguma forma, me entender.
Além do mais,
eu sofria de uma peculiaridade na minha espécie, que é a filosofia: uma pequena
variação na genética da alma humana que nos inclina a refletir sobre tudo, ou
tudo o que alcançamos perceber e entender. Contei para ele que nós, os humanos,
sofremos de uma praga terrível, chamada egoísmo, que limita e à vezes até contamina
nossos frutos. Exigimos tanta coisa antes de dar! Pedimos tanto para aquele que
recebe! E se a natureza nos nega toda a água e sol que achamos que merecemos,
secamos precocemente, regateando de forma mesquinha com a vida que ela nos deu.
Mostrei a ele
meu coração, fértil pelo aprendizado recebido, e me comprometi : quando não
houver muita energia-vida em mim, tentarei reunir toda a que tenho para fazer
uma última e generosa doação, mostrando que foi vida legítima que passou por
aqui: plena, integra e capaz de alimentar corpo e alma, para quem se sente
faminto em ambos.
Descanse em
paz, Mestre Tomateiro: missão cumprida; saboreie a paz dos justos, mais doce que seus
tomates-cereja, que pertence a quem
cumpre dignamente seu papel. Junto com seus frutos, eu me alimentarei do seu
exemplo, e procurarei dar vida até meu último ramo, esforçadamente estendido,
como uma oferenda, aos famintos, aos céus e à terra, e como um gesto de
gratidão à Vida.
Obrigado.
ResponderExcluirAdorei a história. Eu também me aventuro a plantar: temperos, morangos, amora, limão e até uma bananeira. Tudo em vasos.
ResponderExcluirEstou montando um blog sobre o assunto. Faça uma visita.
http://vidanomeuquintal.blogspot.com.br/?m=1
Adorei a história. Eu também me aventuro a plantar: temperos, morangos, amora, limão e até uma bananeira. Tudo em vasos.
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