N. Sri Ram, o grande filósofo do século passado, possui um conceito sobre a memória que, às vezes, se torna um tanto difícil de explicar, tendo em vista nossos valores atuais. Um dia desses, ao preparar um suco de laranja, pensava sobre isso. Extrai-se o sumo de diversas laranjas, e a quantidade de cascas e bagaço é bem grande. Imaginei a seguinte situação: que o consumo deste suco fizesse bem à vista, e que, ao consumi-lo e ver melhor o mundo à minha volta, me sentisse grata àquelas cascas e bagaços, e quisesse levá-los comigo... Num dado momento, o fardo de arrastá-los seria tão grande que chegaria a neutralizar ou superar os benefícios da amplitude de visão trazido por este sumo...
Assim ocorre com a memória dos fatos: seu “sumo”, o aprendizado,
apura nossa visão interna, gerando sabedoria, capacidade de resposta humana à vida; isso, essa parcela válida do passado, integra o que sou agora, no presente, sem ter de recorrer ao contexto do qual a extraí. Não necessito de nenhum tempo, senão deste tempo, em que estou de corpo e alma, e no qual o passado está incorporado e sintetizado naquilo que sou. Arrastar um fardo de cascas secas pode se tornar tão pesado que nos impeça de caminhar... e exija o “corte” misericordioso... a morte física.
Uma outra situação é não extraírmos o sumo das laranjas dadas pela vida, nada extraírmos delas, e só termos o peso, que, neste caso, acrescido ao do sumo não usado, será ainda maior. Assim, o passado é só fardo, e a caminhada se faz, toda ela, com a mesma vista turva dos passos iniciais. Neste caso, não há passado nem presente pleno: há caos primordial, potências não exploradas, aguardando o nascimento de Cronos... Sobrevivência, e não vida.
Assim, ao espremer minhas laranjas, senti-me grata por ser uma filósofa, livre de fardos, sempre vendo um pouquinho melhor... Grata ao “pomar” da vida, por tantas oportunidades dadas, por me alimentar delas... e por viver em um presente cada vez mais significativo e pleno.
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