Ontem, atravessando a rua um pouco
desatenta, tropecei no meio fio e caí. Antes que pudesse me dar conta, já
havia, à minha volta, um jovem, trazendo meu sapato, arremessado longe, e uma
mão de uma senhora, que me oferecia, além da mão, um olhar cheio de carinho:
“Coitadinha! Machucou, filha?”
De pé e calçada, após agradecer e
caminhar como podia, pensei no que aconteceria se me dispusesse a falar de
filosofia para aquela senhora e aquele jovem: provavelmente sorririam, gentis,
mas iriam embora, pois isso absolutamente não lhes interessaria. Mas como pode
não lhes interessar, uma vez que a filosofia, como arte de viver de forma
humana, consiste exatamente em se comprometer com cada ser humano que cai,
sentir compaixão, tomar como problema nosso e desenvolver uma prática que nos
permita ajudá-los a se colocarem de pé, estando nós, primeiramente, de pé e bem
equilibrados?
Voltei para casa com uma boa raladura
nos joelhos e uma boa reflexão na mente: talvez não estejamos sabendo explicar
a filosofia direito, pois, filósofos em potencial, podemos encontrar para todos
os lados. Como explicar para as pessoas que aquele pensamento que lhe permitiu
banir uma tristeza, aquela energia que lhe permitiu superar um desafio, aquele
sentimento que lhe permitiu erguer e catar os sapatos de alguém, aqueles
princípios que lhe permitiram permanecer íntegros, quando outros optavam pelo
caminho mais fácil, tudo isso serve, tudo isso é know how de vida, e
talvez não haja uma arte ou ofício que necessite tanto de know how
quanto a arte de viver como seres humanos. Ainda que soe um pouco pesado, dada
a simplicidade deste artigo, não posso deixar de lembrar de Carl Jung dizendo
algo assim como “..É mais fácil desenvolver uma máquina que nos leve à lua do
que um conhecimento que nos leve ao coração humano.” Fato: já fomos à lua... e
coração humano permanece um mistério. Quem pisou nesse território e quis
ensinar como se faz, compilou esses ensinamentos numa disciplina: Filosofia.
Sei que haverá quem diga que isso
nada tem a ver com Filosofia, e que não passa de uma espécie de “autoajuda”.
Mas como ninguém detém o “testamento de Platão”, habilitando sua voz como única
real herdeira da Filosofia, eu reivindico meu direito a uma tréplica: nada mais
oposto à autoajuda do que essa filosofia naturalmente humana que proponho: autoajuda
é invocar céus e terra em busca de ferramentas para resolver suas egoísticas
questões e interesses pessoais. Filosofia não é jamais uma voz a mais para
vender para as pessoas um caminho fácil para atingir seus propósitos de êxito.
Não é autoajuda; é ajuda ao outro, ao todo, à condição humana, que jaz,
descalça e estirada na calçada, enquanto o egoísmo transita, cada vez mais
indiferente. Filosofia é conhecimento da natureza humana, em sua expressão mais
profunda, legítima e bela, e caminhos para trazê-la à tona. Filosofia é resgate
consciente, é pedagogia para captar e transmitir a arte de viver que anda sim
em alguns belos livros de grandes homens do passado, mas também anda pelas ruas
do presente, inconsciente de seu valor e de sua beleza.
Parodiando o poeta Gibran, diria que
a Filosofia é a Vida, quando ela mostra seus tons mais belos, grandiosos e
humanos. Mas você tem em si a Vida... E você tem em si o humano!
Perfeito texto. Perfeita reflexão. Tão óbvia e tão distante ao mesmo tempo, na mesma linha da vida. É preciso aprender a lembrar constantemente da beleza e do valor da filosofia na nossa vida assim como as mulheres devem lembrar também constantemente da sua beleza e de seu valor. Obrigada pela mensagem. Fez meu dia mais iluminado. Leslie Saffran
ResponderExcluirSim.. resgate consciente..filosofia..dar nascimento á alma humana.Territorio cheio de mistérios.Grata!
ResponderExcluirPERFEITO, PROFESSORA-como sempre, alias_! DISSE TUDO O QUE E BOM QUE SAIBAMOS_O OUTRO* E O MAIS IMPORTANTE! _GRATA PROFESSORA POR MAIS IMA BELA LICAO*****!!! SAUDACOES. Sabina.
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