Defesa de Joana D’Arc a seus jurados

Antes de tudo, peço a vós, senhores meus jurados, escusas por ocupar-vos o precioso tempo com meus argumentos, que podem parecer-vos vãos e insensatos.
            Imaginai que eu, simples e iletrada camponesa, tenha a árdua missão de procurar fazer-vos entender a razão de meus atos, diante de vós, que já me credes, previamente, desprovida de qualquer senso ou razão... O pouco que aprendi dos homens mostra-me o quão difícil lhes resulta entender realmente a alguém, especialmente quando tão pouco esse alguém se lhes assemelha; em comum, entre nós, talvez somente essas estreitas cordas, essas amarras, tão visíveis em mim, lacerando-me a pele, e as que trazeis dentro de vós, sutis, ocultas, mas que vos laceram a alma talvez com muito maior intensidade.
            Na pequena aldeia onde nasci e me criei, assisti, a cada dia de minha vida, ao espetáculo patético de ver morrerem os sonhos de uma comunidade, que refletiam os sonhos de toda uma nação, morte esta provocada pela mais lenta e dolorosa asfixia: a desesperança e a impotência.  O que minhas visões transcendentes, tão propaladas  e difamadas por este Júri, me indicaram não foi mais que o Eco Divino, a confirmação mágica daquilo que minha humilde visão diária já insistira em dizer e repetir. Se me dizeis que aquele simples e humilde povo, angustiado e ansioso por justiça, ao sonhar com uma existência mais digna, tinha suas almas dominadas pelo demônio e que Deus os desejava assim, constantemente aviltados em sua dignidade, débeis e sem objetivos em suas vidas, então vejo-me forçada a concordar convosco quando dizeis que o meu Deus não é o mesmo vosso.
            Por razões que me são alheias, sei que foi confiada a mim, e ainda agora sou capaz de senti-lo, a missão de reacender o fogo em seus corações, de despertá-los para a vida,  fazê-los sacralizar seus esforços cotidianos direcionando-os para uma causa nobre, um Ideal... Tive a oportunidade de servir de canal para o Poder de que necessitavam, e assim o fiz. Jamais me arrependeria, pois sei que já não os deixei como os encontrara. Deixei-os Homens, com uma terra e um Rei para amar e honrar; deixei jovens que podem orgulhar-se de seus pais e desejar fazerem-se iguais a eles. Ao caminharem, já não se curvam para o solo, mas, eretos, buscam outros olhos e até, quiçá, elevam o olhar para as estrelas. Do apático rebanho que eram, converteram-se em Homens, vivos realmente, vibrantes, capazes de se impor e fazer-se respeitar.
            Porém, não vos enganeis ao pensar que a luz que possuem emana de mim e comigo se extingue; a Luz que reside dentro da Alma de um homem, uma vez desperta, ninguém a rouba ou esmorece, tampouco vós, “ministros de Deus”, enciumados d’Ele tê-la concedido diretamente aos homens,  prescindindo de vossa nobre Hierarquia...
            Quanto a mim, ou melhor, quanto àquilo que pretendeis destruir em mim, é apenas um mero instrumento forjado no Fogo e que, cumprida a sua missão, levais a consumir-se em fogo novamente.


            O pedido que finalmente faço, já não a vós, mas a Deus, é que a enorme fogueira que erguestes “em minha honra” seja capaz, nem que por um ínfimo instante, de trazer-vos um pouco de Luz.

Comentários

  1. Obrigado pela reflexão Lucia, minha amiga querida! Sinto muita saudade das tertúlias que “nunca” tivemos, mas mesmo assim tudo que aprendo contigo há tanto tempo, me faz senti-la assim.
    Assim como todo ser de intensa Luz, Joana D’arc sofreu o embate das sombras, mas como sempre o BEM prevaleceu!

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