Antes
de tudo, peço a vós, senhores meus jurados, escusas por ocupar-vos o precioso
tempo com meus argumentos, que podem parecer-vos vãos e insensatos.
Imaginai que eu, simples e iletrada
camponesa, tenha a árdua missão de procurar fazer-vos entender a razão de meus
atos, diante de vós, que já me credes, previamente, desprovida de qualquer
senso ou razão... O pouco que aprendi dos homens mostra-me o quão difícil lhes
resulta entender realmente a alguém, especialmente quando tão pouco esse alguém
se lhes assemelha; em comum, entre nós, talvez somente essas estreitas cordas,
essas amarras, tão visíveis em mim, lacerando-me a pele, e as que trazeis
dentro de vós, sutis, ocultas, mas que vos laceram a alma talvez com muito
maior intensidade.
Na pequena aldeia onde nasci e me
criei, assisti, a cada dia de minha vida, ao espetáculo patético de ver
morrerem os sonhos de uma comunidade, que refletiam os sonhos de toda uma
nação, morte esta provocada pela mais lenta e dolorosa asfixia: a desesperança
e a impotência. O que minhas visões
transcendentes, tão propaladas e
difamadas por este Júri, me indicaram não foi mais que o Eco Divino, a
confirmação mágica daquilo que minha humilde visão diária já insistira em dizer
e repetir. Se me dizeis que aquele simples e humilde povo, angustiado e ansioso
por justiça, ao sonhar com uma existência mais digna, tinha suas almas
dominadas pelo demônio e que Deus os desejava assim, constantemente aviltados
em sua dignidade, débeis e sem objetivos em suas vidas, então vejo-me forçada a
concordar convosco quando dizeis que o meu Deus não é o mesmo vosso.
Por razões que me são alheias, sei
que foi confiada a mim, e ainda agora sou capaz de senti-lo, a missão de
reacender o fogo em seus corações, de despertá-los para a vida, fazê-los sacralizar seus esforços cotidianos
direcionando-os para uma causa nobre, um Ideal... Tive a oportunidade de servir
de canal para o Poder de que necessitavam, e assim o fiz. Jamais me arrependeria,
pois sei que já não os deixei como os encontrara. Deixei-os Homens, com uma
terra e um Rei para amar e honrar; deixei jovens que podem orgulhar-se de seus
pais e desejar fazerem-se iguais a eles. Ao caminharem, já não se curvam para o
solo, mas, eretos, buscam outros olhos e até, quiçá, elevam o olhar para as
estrelas. Do apático rebanho que eram, converteram-se em Homens, vivos
realmente, vibrantes, capazes de se impor e fazer-se respeitar.
Porém, não vos enganeis ao pensar
que a luz que possuem emana de mim e comigo se extingue; a Luz que reside
dentro da Alma de um homem, uma vez desperta, ninguém a rouba ou esmorece,
tampouco vós, “ministros de Deus”, enciumados d’Ele tê-la concedido diretamente
aos homens, prescindindo de vossa nobre
Hierarquia...
Quanto a mim, ou melhor, quanto
àquilo que pretendeis destruir em mim, é apenas um mero instrumento forjado no
Fogo e que, cumprida a sua missão, levais a consumir-se em fogo novamente.
O pedido que finalmente faço, já não
a vós, mas a Deus, é que a enorme fogueira que erguestes “em minha honra” seja
capaz, nem que por um ínfimo instante, de trazer-vos um pouco de Luz.
Obrigado pela reflexão Lucia, minha amiga querida! Sinto muita saudade das tertúlias que “nunca” tivemos, mas mesmo assim tudo que aprendo contigo há tanto tempo, me faz senti-la assim.
ResponderExcluirAssim como todo ser de intensa Luz, Joana D’arc sofreu o embate das sombras, mas como sempre o BEM prevaleceu!