Não assisto passivamente às tuas desventuras, como mera espectadora de um drama pessoal. Se não apenas por estimar-te, mas também porque esta história, para mim, soa bastante familiar.
Lembro-me de quando todas aquelas
cogitações e ansiedades que te acompanharam desde a adolescência cobraram, pela
primeira vez, de ti, uma tomada de posição. Começaste a peregrinar por todas a
religiões que se apresentaram como possibilidade de resposta. Mas, pelo
contrário, nenhuma delas sequer permitiu perguntas. Apresentaram-te “verdades
absolutas” condensadas em dogmas precários, que não resistiriam à mais débil
análise crítica. Não conseguiste calar teu espírito indagador da Verdade,
malgrado o tentasses, sei-o bem. Percebi que sofreste por não conseguir, como
os demais, satisfazer-te como o que te ofereciam, pois a tua consciência
recusou-se a retroceder para acomodar-se em “verdades” fáceis.
Sei que essa experiência te tocou
tão profundamente que descreste e fechaste os olhos para qualquer nova
investida no campo espiritual. Contudo, as cobranças de dentro de ti não
cessavam.
Tentaste, então, ir ao encontro do
que essa tua voz íntima exigia, ajudando o teu próximo como te era possível:
materialmente. Primeiro, de forma direta; depois, quando percebeste que este
procedimento não surtia efeitos senão a curtíssimo prazo, partiste para o
engajamento em movimentos sociais e políticos que lutassem por garantir, a
nível permanente, a assistência e a vida digna de que essas pessoas careciam.
Porém, não tardaste em sentir que ainda
não era o caminho.
Ainda me recordo do desânimo
estampado nos teus olhos quando notaste que, apesar de todo empenho, dedicação
e boa vontade investidos nessa tarefa, andavas em círculos... Entendi que
particularmente o que mais te magoava era vislumbrar, no ápice da batalha, nos
teus companheiros e em ti mesmo, as mesmas deformações de caráter e
fragilidades que vias em teu inimigo. Neste momento, tua batalha estava
perdida, pois caía inexoravelmente no vazio.
Olho para ti agora e vejo, por um
lado, o sarcasmo e a amargura de quem já não crê me mais nada; por outro lado,
o sofrimento de quem tenta calar, dentro de si, algo que julga como uma
“anomalia” que o impede de sentir-se igual aos demais. Vejo que declinas cada
vez mais para a passividade. Sinto
morrerem teus sonhos.
Quisera te ajudar, porque também
percorri, passo a passo, essa mesma trajetória; também duvidei que houvesse um
caminho; no momento em que assistia, inerte, à lenta sangria de toda a minha
energia vital, ele foi colocado diante de mim. Ainda sinto a euforia que esta
descoberta provocou; retomo, já empoeirados, meus velhos ideais altruísticos; “arregaço
as mangas” para pôr em ordem a minha casa física e emocional para torná-las
veículo adequado a abrigar meu Espírito e as transformações que Ele há de
processar em mim e através de mim...
Contudo, apesar dos grandes
acontecimentos que têm lugar no meu mundo, prostro-me diante do teu olhar frio
e inexpressivo. Crês acertadamente, talvez inspirado pela tua intuição, que a
simples análise combinatória dos valores e
signos lingüísticos que já conheces, mesmo que tentada à exaustão, não
te levará a nenhum lugar novo. O círculo
vicioso de palavras, das quais lançamos mão tão profusa quanto inadequadamente,
agora nos aprisiona. Nunca tive tanto a te dizer e, no entanto, permaneço muda
e impotente.
De repente, uma idéia nova me
socorre: percebo que há formas e formas de se “dizer” algo; que este Fogo
interno que te direcionou e deu o tom de toda a tua vida não precisou, para
isso, dirigir-te sequer uma única palavra... e nenhuma voz jamais se fez ouvir
de maneira tão eloqüente.
Procuro, então, meticulosamente,
transformar a minha vida, cumprir com mais celeridade as etapas necessárias ao
meu desenvolvimento, não só por ser este o meu dever, mas também para
transformá-lo em “voz” contundente que chegue até a ti e te fale daquilo que
tanto precisas saber.
Por isso, olha para mim e tenta
entender quando reúno forças e me disciplino, quando renego, com humildade,
valores que até então defendia com ênfase; não entendas tudo isso como uma
pantomima infantil que represento diante de teus olhos perplexos; faço-o também
por ti.
Renovo minhas energias e, por vezes,
posso até me embaralhar no meu entusiasmo de simples aprendiz, mas podes crer
sem receio que o que faço é tentar erguer novos veículos de expressão para te
convencer, fazer-te reabilitar a velha e essencial, embora tão deformada,
mensagem do Amor Universal.
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