Em geral, quando alguma obra dotada de legítimo valor artístico descreve de maneira intensa e vívida o drama humano essencial, ou seja, o homem dividido entre o céu e a terra, a virtude e o vício, o caminhar em direção ao divino ou "retroceder às bestas", como dizia o filósofo renascentista Pico della Mirandolla, em seu admirável "Discurso sobre a Dignidade do Homem", não se engane: trata-se de uma versão a mais do mito. É o antigo e imortal "mito da tentação", tratado por tantas chaves teológicas e filosóficas, e ilustrado magistramente no clássico indiano "Bhagavad Gita". A belíssima obra Carmen, do compositor francês Bizet, baseado no livro de Prosper Mérimée, é um bom exemplo disso.
A ópera em questão tem uma história distante do romantismo desencantado ou desiludido que costumamos ver nos libretos das tradicionais óperas italianas. Sua cor predominante não é o cor de rosa, mas o vermelho, intenso e sanguíneo, das paixões. A cigana Carmen abre a ópera indo “à
caça”, não do cavalheiro mais belo, rico ou de maior patente...mas do mais
puro. O provinciano Dom José, cujo futuro já está mais ou menos delineado (dar
sustento à abnegada mãe e desposar a inocente Micaela), é a vítima perfeita.
A ópera em questão tem uma história distante do romantismo desencantado ou desiludido que costumamos ver nos libretos das tradicionais óperas italianas. Sua cor predominante não é o cor de rosa, mas o vermelho, intenso e sanguíneo, das paixões.
O insidioso “canto de sereia” de
Carmen, vai, pouco a pouco, “dissolvendo” todas suas frágeis amarras morais: o
amor (Micaela e a mãe), a lealdade (os valores da Milícia), a honestidade e
até...a sanidade. Este argumento lembra, em gênero, número e grau, o Parsifal
de Wagner, onde a belíssima Kundry, instruída pelo mago negro Klingsor, seduz o
Rei Amfortas (“amor forte”, melhor dizendo, amor passional), que perde a
dignidade, a guarda das relíquias sagradas e adquire uma ferida que nunca
cicatriza, ao ceder aos seus encantos. Já o herói Parsifal, o ungido pelo
Graal, possui pureza por mérito, e não por falta de experiência; contempla os
jogos de Kundry com um misto de distância e compaixão.
Não é o caso do pobre Dom José: os
desejos o arrastarão até o abismo, e lá, o soltarão e o assistirão cair, com um
sorriso nos lábios... Carmen é Kundry e Klingsor em um só personagem. Levado
aos seus limites, não restará a Dom José outra alternativa senão matá-la...para
recuperar a si mesmo.
Confesso que esta cena me provocou
uma certa "reminiscência" do clássico indiano Ramayana, quando Rama
mata o demônio Ravana e recebe dele, após o combate, uma
"carta-testamento"... Carmen morta, também esperei que alguém
chegasse para Dom José com uma carta-testamento da parte dela com mais ou
menos o seguinte teor: "Dei minha vida...para que você assumisse as rédeas
da sua!"
Há uma observação prática da minha parte bem recorrente, que é a seguinte: quando algo alcança um reconhecimento acima da média por aqueles que amam a beleza, não de imediato (ou mesmo, quase nunca de imediato!) mas ao longos dos séculos, significa que tocou o coração humano em alguma de suas "cordas" mais expressivas: isto é o clássico. Desta forma, tudo é intenso e dramático no clássico
"Carmen"... é o drama humano, na plenitude de suas cores, embalado por algumas
das mais belas árias já compostas...inesquecível. Grata, Bizet!
Esse é o drama humano mais comum nas sociedades, é tão trágico, deixa um rastro tão forte, que daí o sujeito renasce ou sucumbe, resultando numa tragédia grega.
ResponderExcluirO que não entendo é o porque da nossa mídia dar ênfase à essas paixões mundanas, uma vez que resultam em dor. Eu disse, não entendo, entendo, é que podemos fantasiar aquilo que não se pode ter e ao mesmo tempo, essa dor é necessária para nosso crescimento. Alguma coisa boa há de se tirar daí.
Esse é o drama humano mais comum nas sociedades, é tão trágico, deixa um rastro tão forte, que daí o sujeito renasce ou sucumbe, resultando numa tragédia grega.
ResponderExcluirO que não entendo é o porque da nossa mídia dar ênfase à essas paixões mundanas, uma vez que resultam em dor. Eu disse, não entendo, entendo, é que podemos fantasiar aquilo que não se pode ter e ao mesmo tempo, essa dor é necessária para nosso crescimento. Alguma coisa boa há de se tirar daí.