Penso que
todos nós ganharíamos muito se, ao invés de gastarmos nosso vocabulário inconscientemente,
até tornar certas palavras “lugares comuns”, quase que totalmente esvaziadas de
seu sentido original e até de credibilidade, tomássemos um tanto do nosso tempo
para refletir sobre o que queremos mesmo dizer com estas mesmas palavras.
Verdade, isso é passatempo de filósofo; mas você já experimentou? Sem querer
desviar do assunto original para definir o que seria um filósofo, talvez você
se descubra como um deles, ao saborear a oportunidade de falar palavras cada
vez mais conscientes e fundamentadas...
Por exemplo:
esperança; belíssima palavra! Mas significa o que, mesmo? Esperar? Agir? Sempre
é positiva? Quando desejamos prosperar, por exemplo, (e todos desejamos!), nada
mais estamos pedindo aos céus senão que se coloquem a favor (“pro”) de nossas esperanças (“spes”). Popularmente, costumamos ouvir
que a esperança é “a luz no final do túnel”... Certo; então, ela é boa apenas
para quem deseja sair do túnel! Se o desejo é adormecer dentro dele, a luz se
torna apenas um incômodo para a vista.
Enfim, parece
que, quem tem esperanças, faz mais do que esperar: pede a ela inspiração para
caminhar, forças para lutar, energia para não desistir. E ela nos alenta e
acompanha. Há uma história que circula pela internet, destas que ninguém sabe
garantir bem a procedência ou a veracidade, mas que serve bem como ilustração,
pois, se não for veraz por sua correspondência com fatos, é veraz como
parábola, propícia a ilustrar uma ideia.
Trata-se de
uma cobaia de laboratório, um pequeno roedor que foi jogado em uma tigela de
água, em um experimento (mórbido e cruel experimento!) para saber quanto tempo
resistia até se afogar. Num momento seguinte, uma outra cobaia foi colocada na
mesma tigela, mas, instantes antes de se afogar, foi retirada e salva. Após
seca e descansada, foi colocada novamente na tigela: mensurado o tempo,
percebeu-se que ela se debatia o dobro do tempo normal, pois tinha a esperança
de que alguém a resgatasse em algum momento... Sim, devo mil perdões pela
barbárie do exemplo, e esclareço que sou eu a primeira a me horrorizar, com meu
amor aos animais e meus sonhos juvenis de ser uma veterinária e cuidar deles
pela vida afora. Mas lembrem: estamos usando a história como parábola, como
ilustração imaginária, mas plausível, de quanto a esperança duplica nossa
capacidade de resistir e lutar contra as adversidades, e não apenas de “esperar”
que algo ou alguém as resolva.
“A esperança é um bom almoço, mas um mau
jantar.”
Francis Bacon.
Se tomarmos
um dia como miniatura de uma vida, ter esperanças ao meio-dia é normal,
saudável e até necessário; mas ainda ter apenas esperanças no final da tarde
significa que não fizemos mais do que “esperar”. Passamos da hora de correr
atrás delas e transformá-las em fatos, na nossa vida. O que nosso amigo Francis
Bacon, que, como todo filósofo, ama a linguagem simbólica, quis dizer é que há
tempo para sonhar e há tempo para construir nossos sonhos. Aquilo que tem um
sabor maravilhoso no almoço, no jantar, transforma-se apenas em restos, em
sobras requentadas.
“A esperança é uma arma poderosa, e nenhum
poder no mundo pode te privar dela.”
Nelson Mandela.
Toda a
autoridade do mundo tem o nosso saudoso Madiba para falar disso: 26 anos
marcando os dias com riscos nas paredes de uma cela, para não se esquecer de
que houve um primeiro dia e, logicamente, haverá um último, alentando com
esperanças seus sonhos, mantendo-os vivos, trazendo- para atuar no mundo. Na
história da humanidade, poucas foram as esperanças a quem devamos tanta
gratidão quanto a estas. Ele realmente queria a luz no final do túnel, ou seja,
sonhava com luz. Isso dá os matizes mais belos que uma esperança humana possa
ter: suas asas translúcidas brilham com o reflexo deste Fogo de ideais tão
belos e dignos.
“- Qual é o fantasma que nasce todas as
noites, apenas para morrer quando chega a manhã?
- É a Esperança, responde o príncipe Calaf.”
Turandot, Giacomo Puccini.
A belíssima
peça operística de Puccini, nesta célebre passagem, lembra-nos de um outro
aspecto importantíssimo da esperança: no meio da noite mais escura, ela nos
promete o dia que virá, e nos incita a caminhar para ele. No tempo da alma
humana, não amanhece simplesmente porque esperamos, mas porque acreditamos e
desejamos ardentemente a aurora, e trabalhamos para ela. A esperança colore de
tons de azul e púrpura os nossos sonhos; dá-nos fôlego, mostra-nos o amanhecer
como possível, traz tinta às nossas mãos e asas à nossa imaginação. Toda aurora
do espírito humano é filha dessa grande artista: a esperança.
“A esperança é um empréstimo que se pede à
felicidade; há que pagá-lo!”
Joseph Joubert.
Sim, ela é a
antecipação do fruto no meio da estiagem. Prova que o cultivo é válido e que o
fruto é possível. Não é fantasia, é evidência, é um pedaço de futuro dado como
amostra ao presente, para que provemos seu gosto e nos enamoremos dele. Todo
filósofo, por exemplo, como amante da sabedoria (philos + sophos), provou, em suas esperanças, de uma fatia desta
sabedoria, servida em bandeja de ouro, e descobriu que não há gosto mais doce e
delicado ao paladar no mundo inteiro do que este. E agora, busca esta sabedoria
com todo seu ardor. O homem sem esperanças torna-se um enfastiado, sem impulso
ou garra, sujeito à inanição a qualquer momento.
“Mais do que mil palavras sem sentido, vale
uma única palavra que traz consolo a quem a ouve.”
“O Dhammapadha”, livro sagrado budista.
Sim, eis uma
grande e digna esperança humana: não deixar este mundo sem pronunciar pelo
menos uma palavra deste tipo, que traz consolo ao sofrimento humano. Trata-se
da nossa identidade mais profunda, daquilo que viemos acrescentar ao mundo, da
palavra que só nós podemos pronunciar. Sempre tive grande admiração por um
mítico herói grego, Fidípides, um hemeródromo
(corredor que ia de uma cidade a outra levando mensagens urgentes) que, entre
outras façanhas, correu os 42 quilômetros da planície de Maratona até a cidade
de Atenas para avisar que os gregos haviam vencido os persas e evitar que a
cidade fosse destruída. Este herói guardou fôlego suficiente para dizer a
palavra necessária e redentora: nenikekamen,
vencemos! E tombou morto, mas em paz, com
sua missão cumprida.
Sempre achei
que cada ser humano tem seu nenikekamen
a dizer antes da inevitável queda que nos espera a todos, no final. Se não o
fizermos, algo, pequeno ou grande, mas tão belo quanto Atenas, deixará de
existir no mundo. Talvez os sonhos de alguém, talvez suas esperanças... Para
mim, a busca desta palavra sagrada, que dará sentido a tudo, é o grande sonho,
a luz no fim do túnel; há que aprender da vida para ter o que dizer e aprender
a língua da vida para saber como dizê-lo, além de guardar fôlego suficiente
para pronunciá-lo. Talvez seja a única coisa válida por trás de todas as sombras
que nos cercam e angustiam, nas noites que temos atravessado.
Às vésperas
de mais um ano novo, leitor nem tão desconhecido, pois que humano como eu,
vivendo os mesmos dilemas que eu, desejo que tuas esperanças te levem até o
amanhecer, com levaram o príncipe Calaf. “Nessun
dorma”, ninguém durma, o príncipe pedia através de seu canto, numa ária
deslumbrante. Não durmam , não esqueçam, mantenham-se despertos, esperançosos, fiéis
a si mesmos e à sua imprescindível mensagem, que devem portar até que amanheça:
“nenikekamen”! Esse será nossa maior
preciosidade, a síntese de nossas vidas, trazida até a aurora nos braços das
nossas mais caras esperanças.
Essa esperança acalentada aos que buscam a verdade é uma reminiscência divina gravada com o fogo do espírito latejando em nossos corações para que despertemos de nossa inconsciência mayavica e alcemos a outra Natureza não mais dual e efêmera porém estática e perfeita.
ResponderExcluirA esperança é viver o presente sem se refugiar no passado ou fugir para o futuro.
ResponderExcluirOuvido sua palestra sobre o livro o profeta de Kalil Gibran determinado momento interrompi para pesquisar sobre uma frase e para minha surpresa achei seu blog. Muito feliz de ter mais essa ferramenta de enriquecimento do conhecimento.
ResponderExcluirEu tinha esperanças, lutei durante muitos anos, movida pela esperança de que a humanidade, ou pelo menos a massa crítica despertaria e a humanidade mudaria, seria livre, a maldade se extinguiría.. agora aqui do futuro, tanta coisa piorou e mesmo que tivéssemos alcançado a massa crítica, o efeito dos 100 macacos.. hj eu entendi e aceito as variantes e apenas penso.. o que tiver que ser.. ao final será... Não sei se estou certa adotando essa posição que parece muito subjulgada, mas afinal, depois de tudo o que vivemos, a única coisa que eu quero como certa na minha vida.. é estar conforme o Dharma, porque nada pode ser feito de forma contrária... O ouro do Rio RENO.. deve estar no Rio RENO.
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