A Héstia



“Então, o que dirias ter em mente aquele que deu a Héstia o seu nome? (...) Algumas pessoas chamam-na de εδδια (essia) (...) é razoável que a essência das coisas seja chamada de Héstia. (...) Ademais, se o consideras em conexão com os sacrifícios, concluirás que aqueles que os estabeleceram entendiam o nome de Héstia dessa maneira; de fato, os que chamavam a essência das coisas de εδδια (essia), naturalmente sacrificavam a Héstia antes  de sacrificar a todos os deuses.”

Platão, Crátilo, 401b, c e d.

Lendo o Crátilo, diálogo platônico que trata da origem das palavras, encontrei essa interessante definição  do nome da Deusa Héstia: esse, ser, essência, centro em torno do qual tudo se inicia e todas as consagrações são feitas. Lembrei-me que, em Roma, Héstia é Vesta, Deusa que presidia, a partir do centro, a cidade e os lares, com seu Fogo Sagrado.
De fato, todas estas civilizações guardavam a ideia de um centro-coração em torno do qual as coisas eram erguidas, e onde tudo reencontrava sua identidade e sentido original. Este centro/essência é, curiosamente, (mas não surpreendentemente!) o lugar sagrado das civilizações, onde se guarda sua identidade e seus propósitos.  Em todos os planos, o centro é sempre fator de coesão e de identidade.
O que me parece curioso é que Héstia, essência, tem como atributo fundamental o Fogo: esse fogo sutil e invisível, que a tudo penetra, em  torno do qual o mundo nasce e se expande: local de memória, de sacro ofício, de sacralização. Luminoso, vertical, transmutador: o Fogo da essência humana,  o Centro da Vida. Custodiando este Fogo é que viviam as Vestais, puras e nobres, grandes guardiãs do espírito romano. É a história imitando a natureza, com seu Sol central.
Era a essa essência espiritual que todas as tradições se referiam? O que seria, então, nosso materialista e utilitário mundo atual? Um espaço sem centro? Sem um ponto de união...movimentar-se de onde e para onde? se já não há mais Héstia, essência...a que sacrificaremos, em primeiro lugar?
Quando nos defrontamos com vícios e alienações, corrupção e violência, vulgaridade e animalidade, costumamos dizer: tempos obscuros... de onde esperamos que venha a luz? Aonde procurá-la, senão dentro e acima? Cultuar o fogo sagrado parece significar o erguer-se acima da mera matéria, colocar-se de pé sobre o mundo, lúcido (de lux, luz), iluminado por uma essência humana que busca viver com valores, mais do que apenas sobreviver.
Que Héstia, como a Fênix, possa renascer de suas cinzas... sinalizando um centro para nossas órbitas, trazendo de volta algo de luz. Assim se construiu tudo o que foi grande, no passado.... nosso passado humano...nossa herança.
 

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