Em meus estudos para a palestra que
proferi sobre o simbolismo do Natal deste ano, voltei a me deparar com essa
curiosa informação:
Tal como foi calculada por Kepler, foram encontrados registros da
conjunção de Júpiter e Saturno, no ano 7 a.C., na tábua cuneiforme Almanaque
estelar de Sippar. (capturado de www.ufrgs.br/planetario/estreladebelem).
Eu já conhecia essa teoria
explicativa de Kepler para a Estrela de Belém, como um possível “Stellium”
(conjunção de planetas, no caso, Júpiter e Saturno) ocorrido em 7 aC, mas foi
interessante relembrar. Recordei também da passagem bíblica que trata dos Reis
Magos:
“Tendo, pois, nascido Jesus, em Belém
de Judá, em tempo do rei Herodes, eis que vieram do Oriente uns magos à
Jerusalém, dizendo: Onde está o Rei dos Judeus, que é nascido? Porque nós vimos
no Oriente sua estrela: e viemos adorá-lo.” Mateus, II,1
Ora, é sabido que os “Mags” persas, grandes
observadores dos astros, acreditavam que, quando Júpiter neutraliza Saturno, em
conjunção, isso indica o advento de um grande rei, terrestre ou celeste, ou
seja, um prodígio político ou espiritual está vindo ao mundo.
Bem, lembremos que, na mitologia
grega, Júpiter é Zeus, aquele que ascende ao Olimpo destronando seu pai,
Saturno/Cronos, o tempo, que devora todos os seus filhos. De fato, desde a concepção,
nossa ampulheta é virada, e o tempo, nosso pai, começa a nos devorar. Mas o
fato de que Zeus vença Cronos significa a possibilidade de transcender e vencer
o tempo e entrar numa dimensão de eternidade. Entre os pensadores gregos, era
comum a ideia de que a grande arte do homem é roubar momentos de Cronos para
Zeus, ou seja, do tempo para a eternidade. Só o homem maduro, que já havia dado
alguns passos em direção à sabedoria, era capaz de fazê-lo.
Aí temos o mito. E o que tudo isso
tem a ver com a nossa forma de pensar nos dias atuais? É comum, atualmente, que
a nossa sociedade, obcecada por produtividade, “sucateie” o homem de meia e
idade e o substitua, no mercado de trabalho, pelo jovem, “cheio de energia e
com muitos anos pela frente”. Será que o tempo pode ser calculado de uma
maneira tão simplista assim?
Um homem maduro de fato, e não apenas
“idoso”, é aquele que já roubou alguns momentos de Cronos para Zeus; tem
suficiente maturidade para entender um pouco mais sobre o ser humano, seus
dramas e suas possibilidades, e para saber como lidar com ele, o que esperar de
cada um deles, em que medida e em que prazo. Sabe o que é próprio de cada fase da
vida, e como extrair o seu melhor. Conhece a mecanicidade das fantasias e das
alienações humanas, e como encontrar a saída para elas e prosseguir seu caminho
com lucidez. Sabe dos ciclos das emoções e da mente, e de como tomar as rédeas de
ambos.... Sua vida tem peso, seus cabelos brancos são cicatrizes de uma guerra
bem travada e, pelo menos em parte, vencida.
Quanto sofrimento pode nos poupar o
aprendizado de tudo isso! Quanto ganho de tempo nos garante a condução de alguém
maduro! Este é um homem cuja vida é marcada por uma estrela, pois, em sua vida,
Júpiter/Zeus de fato neutralizou, algumas vezes, a Cronos/Saturno. Ele “reina”
sobre certas dificuldades da vida; elas não o submetem mais. Quem garante que
este jovem que se coloca agora diante da vida vai consegui-lo? Sim, ele tem 40
anos de produtividade pela frente; mas, talvez, o cidadão de 70, com a ajuda de
sua maturidade (quando a tem), faça em 4 o que ele não fará nesses 40. O tempo não
é linear, não está sujeito a aritmética comum... Pois Júpiter pode neutralizar
Saturno, e pode nos permitir reinar sobre as circunstâncias; um homem que
chegou a ser assim tem uma capacidade que deve ser valorizada. Afinal, nem
todos terão suas vidas brindadas por um Stellium!
Em 06 de maio de 2010, a Folha de São
Paulo anunciava, em um de seus artigos:
“Em um esforço para aumentar suas
exportações, as montadoras chinesas estão importando engenheiros aposentados do
Japão. (...)”
Que curioso;
ainda que numa chave bem materialista, a China entendeu a chave do Stellium, e
vem alavancando a sua indústria importando as mentes ativas e brilhantes que o
Japão sucateia por estarem “idosas”...
Em tantas marcas
no mercado, a antiguidade confere uma aura de confiabilidade e respeito; no caso
do ser humano, não. De certa maneira, é como se considerássemos nossas vidas
tão vazias, que acumular muita vida só gera perda de energia, sem nenhum ganho
apreciável.
Claro que há
que dar oportunidade aos jovens; claro que há que pensar na juventude cheia de
sonhos que chega ao mercado de trabalho. Mas cuidado: criatividade e renovação
se baseiam num conhecimento depurado do antigo para obter soluções melhores.
Senão, é impulsividade e desperdício. Na maioria dos casos, os grandes
inovadores da história, em qualquer campo do conhecimento, começaram de fato a quebrar
paradigmas... na maturidade.
Em 1994,
Nelson Mandela, aos 76 anos, torna-se presidente da África do Sul e cidadão do
mundo, graças à fantástica capacidade de perdoar desafetos, esquecer os
injustos 27 anos de prisão em benefício de uma nação pacífica. Não creio que
ele pudesse fazê-lo aos 20 anos de idade. Um ano de vida do Mandela Nobel da
paz, do Mandela que subjuga seus interesses pessoais em benefício de um ideal
de fraternidade... quanto vale um ano de vida de um homem assim?
Não, o tempo
não é horizontal e linear, e o ser humano é surpreendente demais para ser
julgado por tão pouco. Há que correr, enquanto é tempo, a resgatar e aprender
destes homens em cujas vidas Júpiter subjugou Saturno... Sim, há que considerar
a maturidade uma riqueza de um valor incomparável, se queremos, um dia, possuir
uma sociedade mais lúcida, uma vida humana com mais sentido, um mundo melhor.
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