Para Mônica Dias e Ricardo Vela.
No aeroporto,
uma menininha pedia que a mãe abrisse um pacote de m&m’s. A mãe atendia, sorridente, ao seu pedido, e lhe devolvia
o pacote aberto, junto com um beijo; singela e meiga cena. Um dia, a menina
crescerá; já poderá abrir, e até mesmo comprar seu próprio pacote de m&m’s, ou outra coisa qualquer que
deseje. Ainda assim, amará a mãe, mas será... um pouco diferente. Chegará um
tempo, mais ainda no futuro, em que a mãe já não poderá comprar nem abrir seu próprio
pacote de m&m’s, e a filha abrirá
para ela; os sentimentos ainda estarão aí, mas ainda mais diferentes que na
cena anterior: a filha agora tem seus filhos, seu trabalho... as demandas da
sua própria vida, e a mãe terá que achar espaço no meio delas. Um espaço que, em geral, se
estreita quando o tempo avança.
Em tudo isso,
guardando lugar para as sempre possíveis variações individuais, os sentimentos
sofrem variações previsíveis e “mapeáveis” com antecedência, até. É a chamada “dança
da vida”, com passos nem sempre tão belos, algumas vezes dolorosos para seus
integrantes. Isso transmite uma impressão estranha: como se fôssemos
executantes de um “software” cujo final, um tanto amargo, já conhecemos desde a
aquisição do “pacote”.
Quando
vivemos um momento como o que hoje vivo, em que alguém que amamos se vai,
algumas vezes, a vida nos surpreende com algo não previsto em nenhum software
conhecido: pessoas sem qualquer vínculo de sangue físico, capazes de entrar na
tua dor e dividi-la contigo, por simples compromisso com a dor humana. Pessoas
que tomam para si a tua dor e “pagam o preço” junto contigo. Pessoas...
Isso me faz
pensar sobre a margem de imprevisibilidade dos sentimentos humanos; parece que
existe uma “quota básica” dos mesmos, incluída no “pacote vida” adquirido, mas
isso não é tudo: é apenas o começo. A partir daí, parece que o sentimento
humano envereda por uma outra lógica, sem algoritmo previsível, uma espiral
ascendente e ousada, bela e... humana. Ainda iremos querer nossos pacotes de m&m’s, talvez, podendo ou não
adquiri-lo ou abri-lo sozinhos; mas haverá mais que prazeres e desejos deste
pequeno eu, amante de chocolates e de si mesmo, e de não muito mais. Que insólito
processo o homem é capaz de desencadear ao desbravar novos circuitos de
sensibilidade e necessidade, como se trouxesse o coração do outro para si; já
não é gratidão, convenção ou protocolo social que rege o processo; é só...coração.
Isso surpreende,
e dá um novo sabor de aventura à vida; quem sabe o que ainda virá, quantos
corações conseguiremos compactar e incluir dentro do nosso? Aonde as
necessidades deles nos levarão? Posso mesmo ousar imaginar o ponto final deste
processo: todos os corações dentro de um só; todas as necessidades humanas demarcando
o seu destino; um espaço que se expande quando a vida avança; uma outra lógica...
Só o vislumbre dessa possibilidade dá uma nova perspectiva à vida, mais doce
que m&m’s, mais contundente
convite ao voo rumo a um céu humano de possibilidades do que qualquer aeroporto
do mundo possa simbolizar.
Se tem um nome
para isso, talvez seja... Humanidade; esse território inexplorado e belo como
um conto de fadas; acho mesmo que estes contos são diários de viagem de quem
andou por aí, e quis nos deixar uma trilha, um passaporte. Honra, nobreza,
grandes desafios compartilhados, amores eternos... onde? Nos caminhos tão pouco
explorados... do coração humano, quando se abre e se expande além de qualquer “script”,
por um simples e grandioso ato de amor e de vontade.
Belíssimo texto! Linguagem poética que fala diretamente à alma.
ResponderExcluirVi minha mãe abrindo pacotes para mim. Depois eu os abri para ela.
E logo chegara o dia em que minha filha os abrirá para mim...
Abraço-amigo.
Rosinha
Belíssimo texto! Linguagem poética que fala diretamente à alma.
ResponderExcluirVi minha mãe abrindo pacotes para mim. Depois eu os abri para ela.
E logo chegara o dia em que minha filha os abrirá para mim...
Abraço-amigo.
Rosinha
Encantador
ResponderExcluirTocante, profundo e sentimental
ResponderExcluir🙏🏻
ResponderExcluir"por simples compromisso com a dor humana" Por aí...
ResponderExcluirQuando a consciência desperta, pouco a pouco o humano se torna mais Humano. Obrigado pelo texto!
ResponderExcluirNo inicio, a cena da mãe dedicando todo o amor e carinho à pequena filha, me fez pensar nos vários momentos, tão simples e delicados como este, que presenciamos diariamente e pouco valor damos. Quando meu filho passa por um senhor já idoso que não resiste a energia da juventude e faz nele, um carinho na cabeça, por exemplo.
ResponderExcluirMas então a morte. Ela entra no texto e não traz apenas lembranças de um "quase" pai que já se foi, mas a dor antecipada pela possível perda de meu próprio pai.
Me parece que quando vamos somando os anos em nossa coleção particular, começamos a nos conscientizar sobre o que é valorizar o que se tem, enquanto se tem.
Não tenho medo da morte. Mas tenho pavor em saber que algumas pessoas terão que partir um dia. É justamente por isso que me parece que precisamos aprender a valorizar cada segundo junto daqueles que amamos, e nos dedicar, sempre que possível, aos que nem conhecemos, mas que nos cercar e vez ou outra, ainda que não de forma declarada, pedem por nossa ajuda.
É realmente dolorosa essa dança da vida.
ResponderExcluirAchei perfeita "possíveis variações indivíduas" as nossas e as alheias, Lidar, aceitar, rever... Mas acredito que é sempre amor. Em alguma brecha que se caiba.
Sinto por sua perda. Luz e continuidade.
Você é muito linda, Lúcia. Espero um dia encontrá-la.
Quanta gratidão você e minha mentora escolhir para me espelhar em você te amo
ResponderExcluir"todos os corações dentro de um só"... Que seja possível! Texto lindo.
ResponderExcluirProfessora Lucia Helena
ResponderExcluirNão ser parte da manada
Torna a vida encantada
E mais cheia de emoção
Por isso não abro mão
De trazer minha mãe comigo
E dar a ela abrigo
Dentro do meu coração
Professora Lucia Helena, este seu belissimo TEXTO (MAIS UM!) e para mim muito mais do simplesmente, "interessante", "legal" e mais nao sei o que que ja' perdi... AH! "engracado", para meu sentir e muito mais do que prosa bem alinhada, para mim, representa as varias fases da Vida que atravessaremos, se nao morrermos cedo"; Este TEXTO lindissimo, como todos os que conheco de Sua Autoria. Ele desbrava e nos anuncia sentimentos de Amor, de Cuidados COM O OUTRO*, sendo que esse OUTRO possa ser a nossa Mae, nossa Avo', nossa Irma, nosso Marido, que ja atravessou todas essas fases desde a tenra infancia ate' ao dobrar a esquina da Terceira Idade onde ja havera a Filha DE ONTEM... com seus proprios filhinhos do momento presente em que Ela e agora a MAE aqula que abre os pacotinhos dificeis e assim adoca labios e coracoes! A outrora MAE (que abre as portas ao lado doce da Vida), esta agora do outro lado da camara, observadora sem muito para observar. E vai pedindo que, por favor, lhe abram os pacotes, lhe puxem o fecho da saia, lhe ajudem a calcar as botas e lhe deem a MAO para descer as escadas ou a entrar no elevador, etc... Entao, as tarefas estao invertidas, quica, os sentimentos tambem! Como poderemos saber o que sente um coracao que se sente na fila do fundo do Teatro do existir! ESTE TEXTO PARA MIM E SUBLIME E MUITO MAIS DO QUE MINHAS HUMILDES PALAVRAS PODEM REVELAR! Bom, poderei adiantar que eu, ao momento presente, me encontra na cadeira do desconforto no fundo da sala do "Teatro do Existir." Saudacoes Amigas. Sabina.
ResponderExcluirLindíssima texto .Nós fala a alma.
ResponderExcluirGratidão !!!!!!
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